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Redação SC Inova
25 de fevereiro de 2025
O MITO DAS GERAÇÕES X, Y, Z …

Falamos tanto em inclusão porém generalizamos, simplificamos e colocamos as pessoas em caixinhas. Existem inúmeras particularidades que não são levadas em conta e a análise deve ser mais profunda. Foto: John Moeses Bauan (Unsplash)
Por Pedro Luiz Pereira,
Diretor de Gente e Gestão da Metal Group e Sócio da EURHO Consulting
NOSSAS AVÓS ERAM REBELDES E “GRITONAS”
Em 1964 os ingleses da banda The Beatles começaram a fazer turnê pelas grandes cidades americanas. Eles foram recebidos no aeroporto Kennedy por milhares de pessoas que gritavam alucinadamente.
Após realizarem a turnê em algumas cidades, desistiram, pois tornou-se impossível que a música fosse ouvida nos grandes estádios. O público, principalmente formado por mulheres, gritava tanto que era impossível ouvir o som dos Beatles cantando.
Situação semelhante acontecia no Brasil com a turma da Jovem Guarda. As novas gerações sempre foram marcadas por rebeldia. As mocinhas que gritavam nos estádios hoje são avós e bisavós.
OS PAIS E AVÓS NÃO ERAM ASSIM TÃO RESPONSÁVEIS
Realizei algumas sessões de mentoria baseadas em dinâmicas de neurociência em algumas ocasiões. Numa das sessões havia 7 gerentes e o objetivo da reunião era comentar sobre a história de vida de cada um. Todos eram profissionais entre 25 e 35 anos e considerados engajados e altamente competentes.
Vou citar alguns depoimentos com nomes fictícios:
– Brendal: “Não tive uma infância e adolescência muito legal. Meu pai sumiu no mundo quando eu tinha 7 anos. Abandonou os filhos e minha mãe e, nunca mais tivemos contato com ele.
– Johanes: “Meu pai era mulherengo e minha mãe sofria muito com isto.”
– Arturo: “Meu pai era viciado em bar. Com 7 anos tive que buscá-lo em diversas situações.”
– Roberval: “Meu pai sempre foi um bom pai. Até hoje nosso relacionamento é próximo e tenho ele como exemplo.”
– Roger: “Meu pai não parava em nenhuma cidade. Nunca consegui ter amigos quando criança e adolescente. Lembro-me de 7 mudanças. Ele vivia insatisfeito no lugar onde morava e nós, logicamente tínhamos que acompanhá-lo. Hoje moro em Joinville há 12 anos. Finalmente ele fincou raízes”.
Getúlio: “Até hoje sofro com a ausência do meu pai. Ele era motorista de caminhão e conheceu uma mulher em Curitiba. Simplesmente tomou a decisão de nos abandonar. Sei muito pouco sobre ele. Tenho 2 irmãos em Curitiba sem qualquer contato com eles”.
Lucília: “Meus pais sempre foram maravilhosos. Nossa relação é excelente”.
No mesmo dia desta sessão, dei carona a um jovem aprendiz que iria até o terminal norte. Perguntei algumas coisas sobre ele, pois é um jovem muito inteligente e comprometido. Quando indaguei sobre o seu pai, ele imediatamente respondeu, com mágoa em sua voz. “Não vejo o meu pai desde os 7 anos.” Ele nos abandonou.”
Percebo que vivemos num paradigma de que esta geração é irresponsável e rebelde… E as outras também não eram?
“OS LOUCOS ANOS 20”
Assim foi chamada a década de 1920, que provocou grande transformação social, cultural e econômica. As mulheres passaram a usar cabelos curtos, costume impensado até então. Os lábios passaram a ser ruborizados, aumentando a sensualidade, os vestidos eram decotados. Elas fumavam nas praias e passaram a usar maiô. As avós desta época achavam que a juventude estava perdida.
ANOS 50
Os jovens eram viciados em cinema e em gibis. Nos domingos à tarde os cinemas ficavam apinhados de jovens para fazerem a troca de gibis, principalmente de faroeste. Era um costume criticado pelos pais da época.
Houve grandes movimentos por melhorias no ambiente de trabalho. O consumo de cigarros era comum em todos os ambientes, desde escritórios, quartos, elevadores e até aviões. Os filhos mais temiam do que respeitavam os seus pais. Muitos desobedientes em algumas famílias eram torturados com cintas, arreios, varas e outros castigos, como eu também fui. Importante não confundir RESPEITO com MEDO. Na realidade tínhamos mais medo que respeito. Nas empresas o comportamento se repetia e havia uma cultura de obediência. Ninguém questionava nada.
ANOS 60
Woodstock foi algo extremamente revolucionário para a época. Começou a popularização das drogas como maconha e LSD – as chamadas drogas recreativas. Muitos protestos políticos aconteceram nas grandes cidades da Europa, Estados Unidos e América Latina. A televisão começou a dominar os lares e o mantra comum era: “As famílias não conversam mais… Elas vivem o tempo todo diante da televisão.” O lema da juventude da época era “Sexo, drogas e rock´n roll”. Para os mais velhos era o fim do mundo. Os hippies escandalizavam com sua forma de agir. Nas empresas as pessoas tinham estabilidade e era comum a permanência até a aposentadoria. Para se conseguir um novo emprego, era preciso ir até a empresa e perguntar se havia vaga. Não havia a comodidade que existe hoje e que facilita a constante troca de empresa e o aumento do turnover.
ANOS 70
Quem sabia dançar tinha uma grande vantagem competitiva. Biquinis e sungas eram curtíssimos. As “cocotas” usavam um jeans tão baixinho que deixar o início do “cofrinho” à mostra era sensual. Os biquinis também deveriam seguir a mesma regra. O uso de drogas aumentou, especialmente cocaína e heroína.
As discotecas provocaram um grande aumento do consumo de álcool e outras drogas. Fumar era chic… Os ambientes eram exageradamente cheios de fumaça e ninguém se importava com isto? As pessoas eram indicadas por algum colega ou parente para preencherem determinada vaga de emprego. As demissões eram raras. Odair José cantava a música “Pare de tomar a pílula” Nas boates os jovens dançavam coladinhos.
Nesta década quase todos os homens jovens passaram a usar cabelos compridos e os mais velhos, muitas vezes, se referiam a eles como “Um bando de viados”, afinal para a geração anterior, cabelos compridos era coisa de mulher.
ANOS 80
Década considerada por muitos como os novos anos dourados, a exemplo dos anos 50. Música, festas e drogas sintéticas como o ecstasy passaram a fazer parte de muitas festas e o consumo de álcool aumentou consideravelmente. Teve início a campanha antitabagista. O que era chic, estava aos poucos virando “demodê”. As pessoas ainda eram leais às empresas e as empresas agiam da mesma forma. Pepeu Gomes fazia sucesso com “Ser um homem feminino, não fere o meu lado masculino”. Será que não fere mesmo?
ANOS 90
O telefone celular “tijolão” aparece no mercado. Nas drogas recreativas como o ecstasy eram muito consumidas. Nas empresas os temas Reengenharia, Qualidade e Competitividade inundaram os discursos. Começamos a querer moldar as pessoas com intenso volume de palestras, cursos, normas e literaturas questionáveis. Agora passamos a ser substituíveis a qualquer momento. Ou você se enquadra ou está fora. A lealdade de ambos os lados diminuiu consideravelmente. Se posso ser demitido a qualquer momento, por que vou dar “o meu sangue” pela empresa? Afinal de contas, quem mexeu no meu queijo? “Querer é poder” virou frase de impacto, desprovida de racionalidade.
ANOS 2000
Tudo começa com o suposto bug do milênio. Começamos a ficar viciados em tecnologia com o uso de computadores e videogames. Drogas, álcool e o uso de substâncias químicas continuou e também de medicamentos de forma inadequada. A cultura ao corpo acelera e as academias se proliferam. Os congressos de RH continuam a falar de Reengenharia, Competitividade e Qualidade e que nenhum ser humano é insubstituível. Iniciamos um esforço de adaptação nas empresas. O ser humano ficou em segundo plano. Basta ver os temas de palestras, cursos, painéis e congressos da época. A ideia de separar as pessoas em caixinhas foi alardeada, distribuindo cada vez mais as pessoas em boomers, geração X, Y, millenials etc. Os jovens passaram a ter dúvidas em relação a carreira em consequência do elevado número de opções. É fácil você escolher entre 2 ou 3 opções e complicadíssimo quando este número aumenta consideravelmente. Os jovens agora vinham de ambientes mais confortáveis e buscavam isto também no local de trabalho. Vejo que as empresas não se prepararam para isto… e cobram deles coisas incompatíveis.
ANOS 2010
Começamos a ficar muito viciados nas redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram e isto mexeu com a cabeça das pessoas. Os smartphones dominaram a atenção e o consumo. O uso exagerado da tecnologia começou a afetar a saúde mental, principalmente dos mais jovens. As pessoas mais maduras sofreram para se adaptar e, no fim da década, elas também já estavam ficando viciadas. Iniciamos um movimento de atenção aos excluídos e exageramos neste sentido em alguns aspectos, pois colocar as gerações em caixinhas é uma forma de exclusão. Grande parte dos jovens não se enquadra nestes limitadores. Os profissionais mais velhos se tornaram ainda mais inseguros que nas duas décadas anteriores e com dificuldades de recolocação. O acordo de Paris abriu os olhos para a questão da Sustentabilidade. As gerações anteriores passaram a criticar os mais jovens e agora havia uma explicação para isto… os comportamentos dos millennials simplificou a questão. Terminamos a década com uma pandemia, algo inédito para a nossa sociedade.
ANOS 2020
A saúde mental teve prejuízos com os reflexos da Covid19. Ficou claro que o excesso de informação e as chamadas fake news deixavam as pessoas indecisas e inseguras. O excesso de informação passou a exigir conhecimentos mais avançados para se distinguir o que é sabedoria e o que é lixo e nem todos conseguiam fazer análises coerentes. Teletrabalho e educação remota foram vistos como uma solução imbatível e esqueceram que somente no presencial os cinco sentidos estão presentes, pois somos seres sociais e precisamos de máxima interação. Em 2024 começamos a questionar o home-office e o EAD como modelos realmente competitivos. Continuamos a criticar as novas gerações e é preciso termos mais informações para percebermos que não existem mudanças comportamentais de uma geração para outra. Somos o resultado de milhares de anos de evolução. As novas ferramentas da era digital conturbaram o ambiente, mas os anseios humanos continuam os mesmos de nossos antepassados. Hoje existe um novo tema incomodando o sono de muita gente e ela se chama “inteligência” artificial.
É salutar lembrar que a tecnologia, até pouco tempo, substituía o esforço físico e a parte inteligente era de responsabilidade do cérebro. Isto nos leva a uma pergunta: A mente humana está entrando num processo de emburrecimento, ou surgirão desafios inéditos que possam ampliar a nossa capacidade cognitiva?
FILHOS MIMADOS ou O DILEMA DO FILHO ÚNICO
Nos últimos anos da década de 70 eu estava na transição entre a adolescência e a juventude. Tinha um primo que já tinha entre 18 e 19 anos e um comportamento complicado. Ele era filho único e minha mãe sempre comentava: “O fulano é assim, porque é filho único.” O comportamento dele era semelhante aos intitulados millenials de hoje em dia. O lance é que naquela época existiam poucos filhos únicos, pois as famílias eram maiores. Hoje o cenário é totalmente diferente. Grande parte das famílias têm um filho ou no máximo dois. Estes filhos são mais mimados, pois são mais raros. O comportamento dos mimados é semelhante, independente da década em que nasceram, e chegam com novas exigências em termos de carreira e trabalho.
SIMPLIFICAMOS DEMAIS AS “COISAS”
Pesquisas feitas pela ‘The Economist’ e pela CEB com milhares de pessoas, trouxeram dados que não se encaixam na ideia que se tem sobre a geração Y, amplamente divulgada. Eles não são como muitos alardeiam e têm comportamentos parecidos com as outras gerações na maioria das situações. Existem exceções e elas sempre existiram.
O jornal “Washington Post” divulgou matéria há alguns anos comentando que foram criadas caricaturas e estereótipos embaraçosos com uma grande imprecisão.
Em 1964 foi editado um livro britânico com o título Geração X (Generation X: Tales of na Accelerated Culture). Era um romance sobre os jovens nascidos na década de 1960 e 1970.
A onda das gerações foi empacotada por Neil Howe em 1991. Mais tarde outros autores adaptaram a coisa toda para “millenials” e fomos como manadas. Eu também fiz isto.
Não podemos enfiar as pessoas em caixas geracionais. A análise deve ser mais ampla e considerar gênero, classe social, biotipo, perspectivas e assim por diante. Existem inúmeras particularidades que não são levadas em conta e a análise deve ser mais profunda.
Ainda é bom lembrar que os boomers dos anos 60 eram a geração que adotou o rock como música e a pregação da paz e do amor pelo mundo afora. Tenho dois filhos e seis sobrinhos e eles são mais “caretas” do que eu fui em minha juventude. Isto também percebo em muitas outras famílias e pessoas com as quais trabalho. Naquela época tínhamos os rebeldes como também os temos hoje… Eu participava de Grupo de Jovens e não faltavam jovens problemáticos.
Na década de 80 havia a chamada amizade colorida. Você podia fazer sexo com alguém sem qualquer compromisso. Em 1981 havia até um seriado com este nome, estrelado por Antonio Fagundes. Ninguém escapava do garanhão, nem as amigas mais próximas, afinal o termo colorido tinha tudo a ver com sexo.
A empresa onde hoje trabalho é bastante jovem e composta em sua grande maioria por profissionais com menos de 35 anos. Estas pessoas têm um forte padrão de engajamento e responsabilidade. Temos também jovens aprendizes. Menos de 20% se enquadra na caixinha de geração Z. Falamos muito em sair da caixa, porém somos hábeis em colocar as pessoas nelas.
“A grande questão não é se as máquinas pensam, mas se os homens continuarão pensando”
B.F.Skinner no livro “Como a mente funciona”.
Fontes de pesquisa:
- Revista Super Interessante,
- Livros: “A Agressão Humana” de Gilson Mariano de Oliveira; “Como a Mente Funciona”, de Steve Pinker; “O Animal Social”, de Elliot Aronson; “Incognito”, de Davide Eagleman; “Subliminar” de Mlodinow;
- minha infância, adolescência, juventude etc.